RPCD, vol. 1, nr. 3: Julho-Dezembro/July-Dec. 2001
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Da língua portuguesa

1. A globalização está aí, à escala mundial ou, por enquanto, mais regional. Está aí para o bem e para o mal, com ofertas que vão ao encontro de ambos os paladares.

Porém os países e as nações não acabaram, tal como as comunidades culturais e linguísticas, por maior ou menor que seja o seu âmbito geográfico. Pelo contrário, às tendências e mecanismos de uniformização e padronização, de debilitação, branqueamento e anulação de identidades, algumas bem fortes por serem construídas por um transcurso indelével na história da humanidade, a essas tentações há que responder com a afirmação e valorização daquilo que é local e específico. De resto o universal só pode ser o local sem paredes, o local aberto e não fechado sobre si próprio. E do mesmo modo o mundo não deixa de ser uno pelo facto de configurar um caleidoscópio da diversidade. É até disto que lhe advêm o encanto e a beleza, para além da civilização ser uma resultante do diálogo celebrado pelas diferenças.

O mesmo é dizer que a globalização requer que entendamos o mundo como um espaço de multiculturalidades. De qualificação e aperfeiçoamento das diferenças e identidades locais, nacionais e regionais. É assim que ela quer ostentar a pretensão de ser um instrumento de promoção da qualidade de vida e de criação de um rosto mais humano em todas as latitudes e longitudes da Terra.

2. Andaríamos mal avisados se não entendêssemos a defesa da nossa língua como o pilar central da nossa identidade, por ser nela que se expressa a nossa idiossincrasia. Não se trata de nos isolarmos ou de ignorarmos que o idioma marcante de uma globalização de forte pendor economicista é o inglês. Trata-se sim de sustentar que a globalização pode e deve ser mais do que isso e que, nas diversas línguas e culturas, se corporizam sensibilidades distintas que nos formam e informam por dentro e por fora.

Uma língua é uma forma de conceber e representar a relação com o mundo, com os outros e com a nossa interioridade e intimidade. Com as nossas preocupações, dúvidas e angústias; com as nossas forças e fraquezas; com os nossos sonhos, ideais e esperanças. Um jogo de símbolos e significados, de fintas e simulações. Um meio de encenar e iludir a tragédia da vida, de a revestir de sentido e significado, de a cantar e sublimar.

3. Poder-se-á retorquir que isto não passa de exercício de retórica de um português talvez saudoso de glórias perdidas no baú poeirento das velharias da história. E que acaba agora de ver desaparecer um símbolo da herança da identidade nacional. Realmente o nosso Escudo foi-se embora – o escudo da esfera armilar portuguesa derramada por todos os cantos do globo! A sensação de perda é inegável, mas maior é o sentimento de contributo para a renovação europeia e para o teor de solidariedade e progresso que a anima. O Escudo cedeu o lugar ao Euro; o nacional encolheu-se em favor da afirmação europeia. E com isso a sensação de perda é mitigada pela esperança de assim contribuir para a edificação de um espaço mais lato, balizado por valores de forte pendor humanista e social. Por isso esta hora é de saudade e optimismo. No fundo é uma genuína hora portuguesa, porque todas as nossas horas são um misto de choro e canto, de alegria e tristeza, de riso e lágrimas, de desespero e esperança, de chegada e partida, de descrença e fé.

Retomo a suspeição de que a defesa da nossa língua não passaria de um discurso à volta do optimismo desesperado ou do desencanto amargurado e nostálgico da alma e da dor portuguesa, sobre o mito messiânico e sebastianista do nosso fado e destino.

4. Porém não é disso que se trata, para além de que as invectivas contra a defesa do português bem poderiam ser atiradas – e com muito maior propriedade – contra a voracidade de hegemonia do inglês. Cultivar a língua e as suas formas de expressão configura um acto de aprimoramento da liberdade individual e colectiva. Um acto de civismo e patriotismo, de assunção plena da cidadania.

Realmente a liberdade da pessoa, a sua autonomia, maioridade e emancipação e a sua defesa da alienação e manipulação passam pelo domínio da língua e pelo exercício elevado da competência de expressão que ela encerra. Uma língua, as suas palavras e o seu uso são uma das próteses superiores do homem para compensar as suas limitações e dependências no relacionamento com o envolvimento. E à mesma luz deve ser entendida a função de uma língua para um povo, uma nação, uma comunidade; ela é polarizadora da sua liberdade, por ser à volta dela que se constrói o imaginário de tudo quanto perfaz a identidade colectiva.

5. Nesta conformidade a atracção por um idioma estrangeiro e o complexo de inferioridade perante outros contextos poderão autorizar muita coisa. Mas jamais conseguirão negar que a língua portuguesa é um majestoso, luminoso, dúctil, proteico e comovente edifício verbal, uma maviosa construção da sensibilidade, dos sentimentos e afectos, onde se condensa uma sublime reinvenção reflexiva e demiúrgica do mundo, em qualquer dos géneros do seu uso, ao nível das melhores realizações do génio criativo da humanidade. Em que outra língua se dizem, cantam e tecem melhor as grandezas e pequenezas do enredo da vida? Ou será que alguém recusa a sublimidade de Camões ou Pessoa, de Jorge Amado ou José Saramago, das canções de tantos e tantos artistas brasileiros, portugueses e africanos, nas quais o ritmo, os sons e as palavras se fundem numa música verbal perpassada de emoções e mensagens que tocam o coração da vida e de cada um de nós? Ou será ainda que as outras línguas oferecem aos respectivos povos um modo tão subtil e refinado de praticar o humor e a ironia, a crítica, a malícia, a mordacidade e a maledicência, a molecagem e a malandragem, de dizer sem dizer, de afirmar negando, de juntar Deus e o Diabo, de misturar o calão e a erudição, de propor recusando, de irmanar a afirmação e o seu contrário?!

O problema da língua portuguesa não é o de uma pretensa menoridade intrínseca; pelo contrário, é o de tomar consciência da sua incomensurável grandiosidade e de encontrar os meios para enfrentar as ameaças extrínsecas, fundadas não na superioridade linguística de outro idioma, mas antes na razão da força dos critérios económicos.

6. Uma língua é o local onde nos encontramos e definimos. A nós e ao mundo. É com ela que estabelecemos a relação com ele. E que preenchemos de sentido esse hiato entre os dois. Nesta revista queremos afirmar o sentido da relação da comunidade lusófona com um dos pequenos mundos em que o grande mundo se acha cindido, convencidos também de que na nossa língua podemos reinventar e recriar dimensões do desporto porventura abandonadas ou esquecidas pela dificuldade de serem percepcionadas e formuladas noutros idiomas.

Não se constitui, pois, como finalidade nossa uma qualquer prática de afrontamento ou divisão, mas antes o cumprimento da obrigação de integração e cooperação com a comunidade que pensa e teoriza o desporto no cenário internacional. Da janela do nosso olhar e sentir queremos construir a identidade dessa relação e dar dela a melhor imagem que nos seja possível. Porque é que a relação da língua portuguesa com o desporto não há-de atingir os níveis que alcança na literatura, na música, nas artes? Só se for por demérito nosso, por incapacidade de respondermos aos desafios da hora que passa.

Jorge Bento

Artigos de Investigação
[Research Papers]

Validade do ergômetro de braço para a determinação do limiar anaeróbio e da performance aeróbia de nadadores
Validity of Arm Ergometer to determine the Anaerobic Threshold and the Aerobic Performance of Swimmers

LGA Guglielmo, BS Denadai

Arrasto hidrodinâmico activo e potência mecânica máxima em nadadores pré-juniores de Portugal
Active Drag and Maximal Mechanical Power in Juvenile Portuguese Swimmers

João P. Vilas-Boas, Ricardo Fernandes, Sergei Kolmogorov

Avaliação qualitativa da técnica em Natação. Apreciação da consistência de resultados produzidos por avaliadores com experiência e formação similares
Qualitative Evaluation of Technique in Swimming: Analyses of the Consistency of Results Produced by Evaluators with Similar Experiences and Theoretical Backgrounds

Susana Soares, Ricardo Fernandes, Carla Carmo, José V. Santos Silva, João P. Vilas-Boas

A relação entre a eficiência e a eficácia no domínio das habilidades técnicas em Voleibol
Relationship between Efficiency and Efficacy in Volleyball Skills. Relationship between Efficiency and Efficacy in Volleyball Skills

Isabel Mesquita, António Marques, José Maia

Oral Creatine Supplementation in Mice Induces Hepatic Protein Overload
A suplementação oral de creatina em ratinhos induz sobrecarga hepática proteica

J. A. Duarte, M. J. Neuparth, J. M. C. Soares, H.-J. Appell

Actividade física de crianças e jovens – haverá um declínio? Estudo transversal em indivíduos dos dois sexos dos 10 aos 19 anos de idade
Is there a Decline in Physical Activity? A Cross-Sectional Study in Children and Youngsters of Both Gender from 10 to 19 Years Old

M. Alexandra Vasconcelos, José Maia

Actividade física habitual em crianças. Diferenças entre rapazes e raparigas
Daily Physical Activity in Children. Gender Differences

V. P. Lopes, A. M. Monteiro, T. Barbosa, P. M. Magalhães, J. A. R. Maia

Estudo exploratório e confirmatório à estrutura factorial da versão portuguesa do Perception of Success Questionnaire (POSQ)
Exploratory and Confirmatory Study to the Factorial Structure of the Portuguese Version of Perception of Success Questionnaire (Posq)

António Manuel Fonseca, António de Paula Brito

Artigos de revisão
[Reviews]

Avaliação da actividade física em contextos epidemiológicos. Uma revisão da validade e fiabilidade do acelerómetro Tritrac–R3D, do pedómetro Yamax Digi-Walker e do questionário de Baecke
Assessment of Physical Activity in Epidemiological Context. A Review of the Validity and Reliability of the Tritrac–R3D Accelerometer, Yamax Digi-Walker Pedometer and Baecke Questionnaire

Maria Madalena Oliveira, José Maia