Nota Editorial
Da Universidade como
local e instituição da felicidade 1
É,
porventura, a última vez na minha vida em que tomo a palavra
numa cerimónia como esta, no desempenho das funções
em que estou investido. Todavia não vou proceder a um balanço,
mesmo sendo ele uma peça fácil de fazer, porquanto
só teria que desfiar o rosário das minhas dívidas
de gratidão, que são muitas e inesquecíveis.
No ano passado falei da Universidade e da Faculdade como um lugar
da saudade. Desta feita elegi para tema de uma breve abordagem “a
Universidade como local e instituição da felicidade”.
Sim, por mais que os espante, dado o registo que tenho colocado,
nos últimos tempos, nas minhas intervenções
públicas, quero chamar a vossa atenção para
o facto da Universidade e a Faculdade serem uma instância
potenciadora, por excelência, da felicidade.
Não sou céptico ou pessimista por natureza, por essência
ou índole ou ainda por aversão à novidade e
à mudança, mas antes por reflexão. Prende-me
ao pessimismo tão-somente a obrigação de olhar
em redor e não me vergar à manipulação
e alienação. De resto empunho e ergo o optimismo como
bandeira de libertação e exaltação da
nossa condição. Sou e quero ser, aqui e agora, neste
momento e nestas duras e ingratas circunstâncias, um cidadão
da esperança, como sempre fui, que não se resigna
à desilusão e que se agarra, confiante e convictamente,
ao sol do bom senso, da razão e lucidez, para dissipar o
nevoeiro desta hora desconcertada e desconsolada. Ao cumprimento
futuro de promessas messiânicas prefiro a proximidade de um
presente concretizador da plenitude humana e da dignidade cívica
e ética dos que delas carecem. Eis o meu juramento de honra,
reassumido neste dia.
Mas…vamos ao assunto. Quando olho para trás e revejo
a minha trajectória como estudante e como docente universitário,
passo-me revista por dentro e por fora, na superfície e na
profundidade e meço-me de alto a baixo; e sou forçado
a concluir que na Universidade recebi o sustento que fez nascer
e crescer paulatinamente em mim o destino da liberdade e felicidade.
Antes tinha ouvidos e olhos, sabia de cor o alfabeto e os números,
mas não sabia verdadeiramente ouvir e ver, escutar e observar,
ler e entender, escrever e contar, perguntar e responder, avaliar
e valorar. Aqui absorvi conhecimentos que se tornaram combustível
para o uso e labor da razão. Aprendi a pensar e, deste jeito,
a libertar a mente, a argumentar e formular ideias e conceitos,
a descobrir e alargar novos horizontes e perspectivas, a tecer e
sonhar com ideais e utopias. Apercebi-me do invisível e de
que estamos mais ligados a ele do que ao visível. Consegui
ir além da epiderme e aparência das coisas, a tocar
na sua substância e a viver o presente na dimensão
do eterno. Com tudo isso rompi com o conformismo e a auto-satisfação;
atrevi-me a acordar e desassossegar a consciência, a questioná-la
e formatá-la de um modo permanentemente renovado, impondo-lhe
metas, desafios, normas, valores e princípios cada vez mais
exigentes. Pouco a pouco deparei-me com a ética e a estética,
aprimorei o gosto e o gesto, as formas de expressão, a palavra
dita e escrita, o verbo pronunciado e o calado, tentando alcançar
a postura erecta e elevar a cidadania ao nível do esplendor
da verdade. Foi assim que fui preenchendo o vazio interior, procurando
adquirir um espírito e alma de bom tamanho. E confirmei que
a existência precede a essência, que a maneira do estar
condiciona e configura a do ser.
Ademais conheci pessoas encantadoras, enamorei-me delas e da sua
beleza no corpo, nos sentimentos e actos. Encontrei outras assaz
diferentes de mim, mas igualmente importantes e fantásticas,
que me levaram a compreender o sentido e alcance da alteridade,
a valorizar as diferenças, a estabelecer e enaltecer a aceitação
e a tolerância, a ampliar e afinar a consideração
e a sensibilidade, a partilhar causas, paixões e projectos,
a confiar nos outros e a revelar-lhes segredos e desejos, intenções
e frustrações, desditas e ansiedades, a celebrar compromissos
e cumplicidades, amizades e fraternidades.
Li livros, manuais e tratados, familiarizei-me com os seus autores.
Habituei-me a nomes célebres, a cientistas, a filósofos
e sábios que me mostraram lados ignorados e sublimes da vida
e apontaram vias para a questão da salvação.
E deixei-me seduzir por crenças e mitos que nos incitam à
transcendência, a invocá-la e a viver à sua
altura, como nesta oração de Fernando Pessoa:
Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra,
Sei, enfim
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser.
Hoje constato que, sem estas próteses, continuaria acorrentado
às mais densas e diversas formas de hemiplegia espiritual
e moral. E percebo bem que a caminhada é longa e que estou
muito distante de lá chegar. Alegro-me pelo quanto já
andei, mas a noção da falta e da insuficiência
é mais viva do que nunca. Dentro de mim ecoam e ouço
vozes nítidas de penúria; e sinto prazer em atendê-las
e com elas dialogar. Deste jeito o sabor do poder de conhecer transforma-se
em atracção pelo gozo de saber, sempre pouco e aquém
da necessidade, mas bastante para fazer germinar o grão da
ilusão da felicidade.
Ao olhar para aqueles que, nesta cerimónia, vão receber
prémios de excelentes estudantes e diplomas e insígnias
de mestres e doutores, tenho em boa conta quantos por aqui passaram
e se formaram. São vários milhares de licenciados,
é mais de um milhar de mestres e centena e meia de doutores.
Alguns vieram de perto e de cima, muitos do meio, outros de muito
baixo e ainda não poucos vieram da lonjura e da distância,
atravessaram mares e continentes e fizeram sacrifícios incomensuráveis
para realizar um sonho. Todos venceram barreiras e obstáculos,
todos se desmediram e excederam para chegar a uma forma nova e superior
e alcançar um estado de performance. Entraram aqui pequenos
ou medianos e saíram aumentados e grandes. Todos regressaram
às suas terras e acederam ao mundo dos ofícios e profissões
numa melhor condição e com outra e mais apurada visão,
levando e guardando o nome desta Faculdade no cofre do afecto, do
apreço e da gratidão. Porque aqui lhes foram abertas
as portas da afirmação e realização,
que o mesmo é dizer, da libertação, da Humanidade
e felicidade.
Em todo o Portugal, em Angola, no Brasil, em Cabo Verde, em Moçambique,
no Peru e noutras partes há gente que por aqui passou, que
diz bem de nós, que tem saudades do tempo em que cá
andou, que nos está grata e entoa cantos de elogio e louvor.
Gente que aqui acrescentou páginas ao passaporte para ser
mais feliz. Temos amigos e conhecidos, consumidores e apreciadores
do nosso nome e trabalho em muitas e longínquas paragens
do mundo. É isto que faz desta Escola e do nosso mister uma
oficina, um instrumento e local de felicidade, que nos torna a todos
mais felizes e que nos leva a perceber que ajudar os outros é
uma auto-ajuda, que nos ajudamos uns aos outros a descobrir e perseguir
a felicidade.
Por tudo isto eu gosto da Faculdade e da Universidade, identifico-me
com elas tal como são hoje, estou de bem e regozijo-me com
aquilo que uma e outra conseguiram, têm sido e apresentam.
Porque nada é imutável, tudo se gasta e passa, eu
amo o seu presente.
Senhoras e senhores, ilustres e distintos convidados, caros professores,
funcionários e estudantes:
Esta sessão é, pois, uma evocação da
felicidade, daquela que já vivemos e daquela que havemos
de continuar a encomendar. Aqui e agora, nesta conjuntura de dúvidas
e angústias, de apertos e dificuldades, a todos saúdo
e agradeço pelo trabalho suado e pelo mérito conquistado.
E a todos exorto para que não permitam que seja retirado
do cerne da missão da Universidade o inestimável contributo
para a felicidade. Não esqueçam que esta se funda
na doçura da ilusão e quem a quiser roubar, destruir
e substituir por uma realidade dura e crua é agente da amargura,
da infelicidade e desumanidade.
Ítalo Calvino, in La città invisibili, atinge-nos
no âmago do desassossego e do sono das nossas obrigações:
“O inferno dos vivos não é algo que será:
se existe um, é o que já está aqui, o inferno
em que vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Há
duas maneiras de não sofrê-lo. A primeira é
fácil para muitos: aceitar o inferno e se tornar parte dele
a ponto de não conseguir mais vê-lo. A segunda é
arriscada e exige vigilância e preocupação constantes:
procurar e saber reconhecer quem e o quê, no meio do inferno,
não são inferno, e fazê-los durar, dar-lhes
espaço”. 2
Aderir à segunda maneira significa predispor-se a sofrer
toda a sorte de pressões, aleivosias e insídias para
aceitar o inferno. Contudo temos o dever de pressentir e lutar pelo
mais e melhor. De fazer perdurar e de dar espaço àquilo
que não é inferno, àquilo que nos encha e aumente
de ilusão que é o alimento preferido da felicidade.
Sim, nascemos, estudamos e trabalhamos para vivermos num nível
superior, ou seja, para esgotarmos as possibilidades de sermos felizes,
sabendo que a felicidade em plenitude é um impossível
necessário. É esta a nossa verdadeira identidade,
cuja procura devemos incentivar e tentar, no pressuposto de que
ela nunca seja inteiramente encontrada, sob pena de a graça
e o encanto acabarem e o mistério da felicidade se perder
para sempre.
Enfim, por quanto disse, escorre-me da garganta a proclamação
de Aquilino Ribeiro: “Adiante e consideremos que para chegar
a bom termo da viagem é preciso ser livres”. E felizes,
acrescento eu. Continuemos portanto a perseverar na busca da felicidade.
Não nos cansemos de crer e laborar em impossíveis,
em feitos, grandezas e prodígios, com razão e emoção,
como Natália Correia:
Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,
Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é etéreo num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,
Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,
Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o amor tem asas de ouro. Ámen. 3
Jorge
Bento
1
Intervenção na Sessão Solene da Faculdade de
Desporto
da UP: 12.03.2008.
2 Bauman, Zygmunt (2007). Tempos Líquidos. ZAHAR
– Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro.
3 Correia, Natália (1990). Ó Véspera do Prodígio
IV.
In Sonetos Românticos. |
Artigos
de investigação
[Research papers]
Competência
física percebida de crianças com paralisia cerebral:
Que relações com a percepção dos seus
pais e a sua função motora?
Physical Perceived Competence in children with Cerebral Palsy:
what relationships with parents perception and their own motor function
Rui Corredeira, Adília
Silva, António Manuel Fonseca
Estrutura
interna da versão portuguesa do Sport Commitment Questionnaire
(SCQ) e Funcionamento Diferencial dos Itens (DIF) com a versão
espanhola
Portuguese version internal consistency of the Sport Commitment
Questionnaire (SCQ) and Differential Item Functioning (DIF) with
the Spanish version
Catarina Sousa, Carme Viladrich, Maria João
Gouveia, Miquel Torregros, Jaume Cruz
Prontitud
Coordinativa: perfiles multivariados en función de la edad,
sexo y estatus socio-económico
Coordination readiness: multivariate profiles based upon age,
sex, and socioeconomic status
Alcibiades B. Valdivia, Rita F. Lara, Celinda B.
Espinoza, Severo Q. Pomahuacre, Giovanny R. Ramos, André
Seabra, Rui Garganta, José Maia
Assimetrias
manuais e complexidade da tarefa em habilidades de apontamento
Manual asymmetries and task complexity in aiming skills
Guilherme M. Lage, Lívia G. Gallo, Maíra
G. de Miranda, Danilo R. Vieira, David J. Schickler, Robledo R.
Coelho, Herbert Ugrinowitsch, Rodolfo N. Benda
Desempenho
motor de crianças de diferentes estágios maturacionais:
análise biomecânica
Motor development of children in different maturement stages:
biomechanics analysis
Sebastião I. Lopes Melo, Roberta Gabriela
O. Gatti, Roberta C. Detânico, Jansen A. Estrázulas,
Ruy J. Krebs
Análise
cinemática da variabilidade do membro de suporte dominante
e não dominante durante o chute no futsal
Dominant and non-dominant support limb kinematics variability
during futsal kick
Fabio A. Barbieri, Paulo R. Santiago, Lilian T.
Gobbi, Sergio A. Cunha
Um
estudo de genética quantitativa sobre agregação
familiar na composição corporal de famílias
nucleares portuguesas
A quantitative genetic study about familial aggregation in body
composition of portuguese nuclear families
Rogério C. Fermino, André Seabra,
Rui Garganta, Alcibíades B. Valdivia, José Maia
Análise
dos índices de adiposidade e de aptidão física
em crianças pré-púberes
Analysis of adiposity and physical fitness indexes in prepubertal
children
Fabrício B. Alves, Anabelle M. Barbosa, Wagner
de Campos, Ricardo W. Coelho, Sérgio G. da Silva
Análise
comparativa do pico de consumo de oxigénio entre nadadoras
e não nadadoras
Comparative analysis between female swimmers and non-swimmers
in peak oxygen uptake
Emilson Colantonio, Ronaldo V. Barros, Maria Augusta
Kiss
Resposta
hemodinâmica aguda a uma sessão de exercício
físico multicomponente em idosos
Acute hemodynamic response during a session of multicomponent
exercise in older adults
Joana Carvalho, Elisa Marques, Jorge Mota
Estudo
das implicações do espaço ofensivo nas características
do ataque no Voleibol masculino de elite
Implications of offensive spacing in elite male volleyball attack
characteristics
José Miguel de Castro, Isabel Mesquita
Comparação
do conhecimento tático processual em jogadores de futebol
de diferentes categorias e posições
Comparison of the procedural tactical knowledge in soccer players
of different categories and positions
Diogo S. Giacomini e Pablo J. Greco
Estudo
de variáveis especificadoras da tomada de decisão,
na organização do ataque, em voleibol feminino
Study on contextual variables specifiers of decision making
on attack organization in female volleyball
José Afonso, Isabel Mesquita, Rui Marcelino
A
estrutura e a tendência evolutiva da carga externa em paralelas
assimétricas. Análise das rotações em
exercícios de competição
Structure and evolution trends of the external load in uneven
bars. Analysis of the rotations in competition routines
José Ferreirinha, António Silva, António
Marques
O
esporte no cinema de Portugal
The sport in the Portugal’s cinema
Victor Andrade de Melo
Ensaios
[Essays]
Formação
de Mestres e Doutores: exigências e competências
Forming Masters and PhD: demands and competences
Jorge Olímpio Bento
Por
uma teoria da comunicação no desporto de alto rendimento
Vítor Serpa
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