RPCD, vol. 4, nr. 3: Julho-Dezembro/July-Dec. 2004
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capa deste nœmero da revistaNota Editorial
Balanço e perspectivas

O que me sustenta é a beleza. (...) Rezo a tudo o que floresce e frutifica. Nada que cante ou que dance me é indiferente. Nada que fira ou destrua me é semelhante.

Faíza Hayat

1. Dezembro é um mês que convida a atitudes de revisão e balanço. Para os cristãos acresce o apelo a uma renovação festiva da esperança e do sentido da humanidade. O balanço impõe-se porque é nesta altura que o ano chega ao fim, que um ciclo temporal se fecha. A esperança renova-se porque o Natal desperta o melhor que há em nós, acorda sonhos e a vontade de os realizar.

A estrela da noite de Natal é uma bússola mensageira para todos nós. Anuncia-nos o fim do tempo velho e a chegada de um tempo novo, a vinda da redenção do Homem e a indicação dos caminhos para lá chegar. O velho fica e puxa para trás, amarra-nos de pés e mãos ao chão raso, às nossas fragilidades, defeitos e vilanias, à nossa desídia, indolência, preguiça, indiferença e demissionismo; o novo leva-nos dianteira, ergue-se à nossa frente e acena-nos do alto, exige superação e excelência, pede fôlego e asas para lá chegar. Podemos ter sido heróicos e corajosos nos caminhos que já galgámos, mas isso não conta mais; para ganhar o futuro é preciso colocar novos desafios aos dias do presente.

É este um legado das matrizes grega e judaico-cristã da nossa cultura. O mito de Prometeu, o nascimento de Jesus e o sacrifício de Cristo são fonte de inspiração permanente da vida das pessoas e das instituições. Entram todos os dias em cena; nunca se gastam e constantemente se renovam. Impõem a todos um destino que não pode ser iludido.

Também é assim com esta revista. Desde o início tomou boa nota do ensinamento de Fernando Pessoa. De que o nosso tamanho não é o que temos; mas o que vemos e sonhamos. E, como se sabe, os sonhos - para assim poderem ser designados - devem ser grandes. Não dão descanso perante as etapas já percorridas; antes apontam a distância que sempre falta andar. E que é mister cumprir, com o alvoroço e a satisfação próprias do balanço acerca do quanto já foi percorrido, mas também com o sentido de obrigação inerente a uma consciência apurada das novas metas que há para alcançar. Fazendo jus à constatação de Alberto Einstein: “A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original”.

2. A União Europeia sentiu necessidade de fazer de 2004 o ano da educação pelo desporto, tirando partido do Campeonato Europeu de Futebol em Portugal e dos Jogos Olímpicos em Atenas. Em boa hora adoptou a UE tal iniciativa, uma vez que ambos os eventos foram berço de ressurgimento do espírito desportivo.

Em Portugal o fervor, o júbilo e a euforia enrouparam a competição; o agonismo foi levado até ao rubro, mas revelou simultaneamente que o desporto é um campo de florescimento fulgurante da nossa transcendente humanidade, por constituir um superior património, inventado pelos homens para legar e transmitir princípios, valores e ideais.

Em Atenas a essência do desporto e do olimpismo esteve em alta. A conjuntura foi de genuína autenticidade. O combate à fraude, à batota, à desumanização e perversão do sentido do desporto foi retomado e registou vitórias retumbantes. Do baú das coisas gastas e carcomidas pelo caruncho e pela poeira dos tempos foram recuperadas relíquias e preciosidades recebidas com cânticos e louvores pelos corações cansados de frustração e desalento. As almas brancas voltaram a rejubilar. A rainha da festa foi a verdade, a beleza no seu máximo esplendor. Foi assim que Platão a coroou.

O doping continua cheio de arrogância, de manhas e de esperteza, mas encontra pela frente a determinação das convicções e da vontade. A máscara vai, aos poucos, caindo a muita gente; a hipocrisia de incriminar apenas os atletas está finalmente a ser posta em causa. Treinadores e médicos têm hoje quem lhes diga, olhos nos olhos, sem medo e sem hesitações e gaguez, que eles são os principais agentes da propagação do flagelo.

Sim, como nas outras coisas da sociedade e da vida, há dois modelos de desporto que lutam pela primazia. De um lado situa-se o pesado e escuro exército dos que olham para o desporto só pela janela económica do negócio e dos interesses. Do outro surge em posição cada vez mais avançada e cimeira o pequeno mas estrénuo e firme exército dos que defendem, nas plagas desportivas, um mundo iluminado pela limpidez e brancura da condição humana. Eles sabem que nunca vencerão em toda a linha, nem tampouco os possui esse desejo, porquanto são portadores de uma visão de compromisso e coexistência; porém têm todas as razões para estar contentes consigo mesmo, por verem que os seus esforços vão dando os frutos da consideração, do reconhecimento e da aceitação. Não laboram em vão. Estribados na razão afectiva e quente da ética sabem que a utopia é uma maneira de encarar a realidade e de a configurar com novas facetas e dimensões. É este o seu jeito de serem realistas.

3. A ONU quer fazer de 2005 o Ano Internacional do Desporto. Que o desporto é internacional, global e universal – disso não restam dúvidas. Que os valores da paz, da vida, da alegria e da felicidade, que lhe são imanentes, não pintam a cor da situação que hoje reina no Mundo – disso só temos provas tristes e duras certezas.

“A vida – assim o disse o grande Vinícius de Moraes, que tão dorida saudade nos deixou e tanta falta nos faz – é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”. Remediar os desencontros provocados pelo sadismo e fanatismo, pela insanidade e demência, pela avidez e ganância, pela conquista e rapina, parece ser a ingente tarefa que a Organização das Nações Unidas está a chamar a si. Com esse intuito agarra-se ao desporto, num sinal de contabilidade lúcida e simples, decorrente da avaliação das extraordinárias potencialidades que ele encerra.

O narrador norte-americano Howard Cosell afirmou que “o desporto é a secção de brinquedos da vida”. É nele que o homem se reencontra e encontra a oportunidade e os meios de recriação da ingenuidade original, da criatividade, da abertura, do riso e optimismo, da alma sonhadora, do coração de emoções e paixões, da consciência das debilidades e fraquezas tão importante para enraizar a humildade, a mais alta categoria humana, aquela que conduz à tolerância e à paz, à aceitação e apreço dos outros.

O ideal da paz não é contraditado pelo figurino da competição, da medição e valorização de resultados e de vencedores e vencidos. O desporto e os seus eventos inscrevem-se nos esforços de concretização dos princípios do respeito, da compreensão, da estima, da admiração, da paz activa e da cooperação entre povos de diferentes tonalidades, credos, culturas e estádios de civilização. Nele cresce a esperança de um novo horizonte de emancipação individual e de solidariedade social e planetária. Disto anda o Mundo carecido, pelo que é pertinente e bem avisada a iniciativa da moribunda ONU. Mas também é legítimo e sensato esperar um vento de sinal contrário ou não fossem os EUA um país de contrastes e tivessem como Presidente um indivíduo que combate obstinadamente tudo quanto a medida da ONU subentende.

A hora é, pois, de angústia e cepticismo que, por isso mesmo, não podem contar com o nosso conformismo. A ética proíbe a inacção e obriga a enfrentar aquilo que nega a ideia que temos de nós próprios e do destino superior do Homem. No pequeno canto em que vivemos, na modesta função que desempenhamos, nas palavras que escrevemos e pronunciamos, nos actos que praticamos, nas desconhecidas tarefas que assumimos estão em jogo o nosso carácter e a nossa dignidade. Como um lume que não estamos dispensados de acender contra a escuridão do tempo. Para engrossarmos o clarão que a Lua e o Sol irradiarão para toda a parte, rompendo os limites de separação da noite e do dia.

Jorge Bento

Artigos de Investigação
[Research Papers]

Pressão arterial, frequência cardíaca e duplo-produto em séries sucessivas do exercício de força com diferentes intervalos de recuperação
Blood pressure, heart rate, and rate-pressure product in successive resistance training sets with different rest intervals

Marcos D. Polito, Roberto Simão, Antônio C.L. Nóbrega, Paulo T.V. Farinatti

Limiar anaeróbio determinado pelo teste do lactato mínimo em ratos: efeito dos estoques de glicogênio muscular e do treinamento físico
Anaerobic threshold determined by lactate minimum test in rats: Effect of muscle glycogen stores and of physical training

Fabrício A. Voltarelli, Maria A. R. Mello, Claudio A. Gobatto

O exercício físico crónico altera o perfil leucocitário e a taxa de fagocitose de ratos estressados
Chronic physical activity modifies blood leukocyte profile and phagocytosis rate of stressed rats

Elizabeth Nascimento, Taisy Cavalcante, Silene Pereira, América Palmeira, M. Carolina Rocha, Marcelo T. Viana, Raul Manhães-de-Castro, Célia MMB de-Castro, José Duarte, Carol G. Leandro

Avaliação da ingestão nutricional em atletas de elite na modalidade de hóquei em patins
Evaluation of nutritional intake in roller hockey elite athletes

João M. Camões, Vítor H. Teixeira, Hugo Valente, Manuel M. Ribeiro

Tempo de reação e tempo das provas de 50 e 100 metros rasos do atletismo em federados e não federados
Reaction time and race time on athletics 50 and 100 meters in top level and middle level athletes

Renata J. Miyamoto, Cássio M. Meira Jr.

Desenho e validação de um sistema de observação no Andebol
Design and validation of an observational system in Handball

João Prudente, Júlio Garganta, Maria T. Anguera

Maturação biológica, prática desportiva e somatótipo de crianças e jovens madeirenses dos 10 aos 16 anos
Biological maturation, sports practice and somatotype of children and youth aged 10 to 16 years of Madeira Islands

DL Freitas, CA Silva, JA Maia, GP Beunen, JA Lefevre, AL Claessens, AT Marques, AL Rodrigues, MA Thomis

Prevalência de sobrepeso e obesidade em escolares de alto nível socioeconômico em Londrina, Paraná, Brasil
Prevalence of overweight and obesity in schoolchildren of high socioeconomic status in Londrina, Paraná, Brazil

Enio Ronque, Edilson Cyrino, Valfredo Dórea, Helio Serassuelo Jr., Enori Galdi, Miguel Arruda

Artigos de revisão
[Reviews]

Envelhecimento e força muscular - breve revisão
Aging and muscle strength - a brief review

Joana Carvalho, José MC Soares

Atrofia muscular esquelética. Modelos experimentais, manifestações teciduais e fisiopatologia
Skeletal muscle atrophy. Physiopathology and experimental models

Rita Ferreira, Maria J. Neuparth, António Ascensão, José Magalhães, José Duarte, Francisco Amado

Tutorial

Uma nota didáctica breve no uso esclarecido de procedimentos estatísticos em análise de dados repetidos no tempo. Um estudo guiado para investigadores das Ciências do Desporto
A didactical note on the use of statistical procedures for longitudinal data. A guide for researchers in Sport Sciences

José A. R. Maia, Rui M. Garganta, André Seabra, Vitor P. Lopes, António Prista, Duarte Freitas